sábado, 29 de abril de 2017
Alfredo Marceneiro - O Bêbado Pintor
Encostado sem brio ao balcão da taberna
De nauseabunda cor e tábua carcomida
O bêbado pintor a lápis desenhou
O retrato fiel duma mulher perdida
Impudica mulher, perante o vil bulício
De copos tilintando e de boçais gracejos
Agarrou-se ao rapaz, e cobrindo-o de beijos
Perguntou-lhe a sorrir, qual era o seu oficio
Ele a cambalear, fazendo um sacrifício
Lhe diz a profissão em que se iniciou
Ela escutando tal, pedindo-lhe alcançou
Que então lhe desenhasse o rosto provocante
E num sujo papel, as feições da bacante
O bêbado pintor a lápis desenhou
Retocou o perfil e por baixo escreveu
Numa legível letra o seu modesto nome
Que um ébrio esfarrapado, com o rosto cheio de fome
Com voz rascante e rouca à desgraçada leu
Esta, louca de dor, para o jovem correu
E beijando-lhe o rosto, e abraço-o de seguida
Era a mãe do pintor, e a turba comovida
Pasma ante aquele quadro, original e estranho
Enquanto o pobre artista amarfanha o desenho
O retrato fiel duma mulher perdida
Henrique Rêgo / Alfredo Marceneiro
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